segunda-feira, 21 de abril de 2014



O LIVRO DA SOLIDAO

Não sei ao certo desde quando conheço a solidão. Tenho a impressão que desde sempre. Antes mesmo de conhecer qualquer outra coisa. A mim me parece que a solidão e a melancolia se formaram em mim assim como os meus orgaos se formaram. Existem antes de mim e de certo continuara existindo. Me recordo que na mais tenra infância desenvolvi uma mente criativa para diminuir sua presença. Ter imaginação sempre me custou muito caro, passei a não ser compreendida, o que eh comum uma criança ansiosa em meio a adultos e seus problemas. No entanto talvez ninguém nunca soube o porque de tanta imaginação, e talvez jamais pudessem imaginar o quanto dependia dela para existir. Cresci num mundo meio estranho pra mim. Alias, eu era a estranha ali. Era diferente, física e emocionalmente diferente. Isso produziu medos, inseguranças e diminuta autoestima. E na solidão de ser diferente a criatividade me tornava igual. Inventei mil personagens. Inventei crianças saudáveis quando estava doente. Inventei noites de natal e presentes imaginários. Inventei família, irmaos, inventei ate afeto. Inventava qualquer coisa que pudesse atenuar as faltas e os dissabores. A fantasia era a fuga de uma realidade que, naquele momento eu não podia mudar. E era na solidão que fui me formando, sem saber ao certo no que ia dar. Aquilo se tornou um habito, a solidão e a imaginação. Uma dependia da outra e eu, dependia de ambas. Quando percebi, tinha crescido, e sem ter orientação de como seria crescer, cresci da mesmo forma que fui criança, solitária e criativa, e sobretudo dependente das duas coisas. Continuei inventado personagens, inclusive o meu personagem de sobrevivência. Imaginei que talvez fosse mais agradável ser extrovertida e bem humorada ao invés de declarar minha melancolia, meus medos e minhas inseguranças. Fui tomada desde entao de inconveniente e falastrona. A tagarelice nunca foi bem tolerada, sejam dos criativos, dos carentes ou dos filósofos. Não seria diferente comigo. Esse personagem nunca agradou a ninguém, a não ser a mim mesma. Isso porque nas tiradas bem humoradas eu sentia liberdade, em nome de ser “espirituosa” para emitir pensamento verdadeiros pra mim. Nunca tive talento para parecer simpática. Nunca fui esteticamente simpática (beleza física ajuda, e muito), nem desenvolvi um temperamento que me favorecesse nem ao menos fingir simpatia, e porque não dizer: nunca fui ensinada a medida da simpatia. Havia muita ocupação nos adultos para que pudessem ensinar uma criança os modos e as medidas de uma vida mais suave, menos intensa, talvez.  Não que eu não seja, entendo-me simpática, assim como também o sou de notável inteligência, o que talvez tenha se perdido seja a medida, que so com minha mente criativa não pude descobrir por mim mesma na falta de quem me ensinasse. Entao, acabei repetindo meu “modus vivendi” e recebendo em criticas todos os riscos da escolha. Na minha solidão, ficava me perguntando, porque aquilo não tinha dado certo? Pensei que parecer feliz pudesse ser bem mais agradável do que demonstrar a profunda tristeza com a qual convivia. No meio do caminho encontrei os livros. Ah, eles me foram libertadores! Pude conhecer outros criativos como eu, solitários como eu, e românticos como eu. Conheci personagens tristes e conheci personagens felizes. Conheci filósofos, poetas, escritores leves e outros densos, complexos. Estes foram meus silenciosos amigos, e com eles eu dividia minha realidade escondida. Mas isso demorou tempo demais, se tornou um habito, e eu me tornei dependentes de todos estes personagens conhecidos nos livros. Me tornei chata. Conversava e apreciava coisas que muita gente, no mundo em que eu vivia,  nem sabia que existia. Me tornei uma adulta solitária. E, como daria muito trabalho para inventar uma  personagem adulta para me tornar mais aceitável, repeti a personagem da infância, sim, aquela “espirituosa” . Nunca deu certo. E recebi em criticas todo o risco da personagem. Ainda assim, eu precisava sobreviver de alguma forma, e eu sabia que não seria demonstrando minha solidão e melancolia. Tentei remediar a personagem e me tornei uma maquina de trabalho. Um “burro de carga “. Na época trabalhar cedo era o mais nobre a se fazer, independente do que fosse o trabalho, era necessário  trabalhar para sobreviver e ser respeitado, nem que fosse varrendo a rua, a família esperava isso e não hesitavam em nos empurrar aos ofícios do sustento. As vezes nem sabiam em que serie estacamos na escola, no entanto, conheciam o quanto éramos capazes de ganhar com o trabalho e ajudar no sustento. Eh, parece que pude ser um pouco mais aceita quando comecei a pagar contas. Tive que aceitar que para isso perdi convívios que somente mais tarde percebi que eram importantes. Cultivei muitas responsabilidades, preocupações e poucos amigos. Sobretudo o trabalho precoce me tirou aos treze anos muito do necessário convívio familiar e dos sentimentos da adolescência. Mas naquele momento era o melhor a fazer, e eu fiz. Mais tarde, tive que procurar dentro de mim esse convívio e esses sentimentos. Nunca consegui fazer isso sozinha, mas tentei… e ainda tento. Segui meio perdida, e menos criativa com o passar dos anos, tinha passado a fase infantil e as obrigações e preocupações da vida adulta me limitaram as fantasias e assim minha capacidade criativa quase foi extinta. Mas ainda assim, eu precisava sobreviver. Com a vida adulta tive que lidar com outras necessidades (alem do sustento, claro!). Tive necessidade de afetos. De toda sorte possível. Mas, ter necessidade de amor foi a grande dificuldade. Ah, não, isso eh injusto! O mais dificil não foi ter necessidade de amor… não, não foi… foi encontra-lo… não, não foi, não estou sendo sincera aqui… espere um minuto para que eu me recomponha…  o mais dificil foi …
RECONHECE-LO.  

Tive que pensar um pouco antes de escrever isso. Eu ia escrever que o mais dificil foi ACREDITAR no amor, mas no fundo, eu acredito sim no amor, eu so não sei, nunca aprendi, não experimentei RECONHECER o amor. Meu melhor lampejo de criatividade não foi capaz de me ensinar o que seria isso. Entao eu tive que ir inventado o que seria amor ao longo da minha vida adulta. A cada conceito construído e confrontado com as experiências, fui aprendendo que aquilo não era amor. Colecionei relações “amorosas” confiando em cada uma delas, e obtive uma sucessão de abandonos, alguns voluntários, outros não. O mais cômico nisso e que o que mais aprendi do amor foi com homens que me abandonaram, e eles, mesmo me abandonando me afirmavam amor. Ora, no meu intimo eu jamais abandonaria quem quer que eu amasse. Entao, juntando-se a experiência com a capacidade de refletir, entendi que todos os que me abandonaram, na verdade nunca me amaram. E isso teve uma conseqüência obvia: passei a acreditar menos nos amores afirmados, passei a abandonar todos que me abandonaram, inclusive aqueles a quem algum dia pude amar. Passei a ame esforçar para esquecer qualquer coisa que tenha sido boa, mas passageira. Foi um esforço hercúleo. Junto com isso construí um novo conceito: quem ama não abandona, entao, eu saberei que sou amada com alguém que escolha ficar ao meu lado, e amarei aquele que eu também escolher estar ao seu lado. Parece que agora ia funcionar, ate que, na solidão que me faz companhia na vida me trouxe um terrível realidade: o que eh ser escolhida? Homens escolherem mulheres por motivos diferentes, uns pelo curso natural de sua espécie “macho”, outros pelas conveniências da vida, sejam sociais, religiosas… e alguns, creio eu, devem escolher pelo coração. Talvez algum homem escolha uma mulher para ama-la. Isso mesmo “para” ama-la. Conheca nela não virtudes de conveniência, mas de afinidade de almas. Uma pieguice talvez. Não importa. O que importa aqui pra mim eh a ESCOLHA. E para mim, ja testei muita coisa, muitos comportamentos, e a mim me parece sensato pensar, que não existe regras para que pessoas escolham outras para amar, ou seja, as pessoas não amam baseado em regras, mas em sentimentos que talvez elas mesmas não compreendam. Eu não compreendo o amor. Não compreendo porque acredito que ele exista, não compreendo porque ele me faz tanta falta, assim como também nunca compreendi a inércia de alguém que afirma amar. A mim “o que se faz fala tao alto que quase não eh possível ouvir o que se diz com os lábios” .  Eh um ciclo aberto, talvez o seja eternamente esse sentimento adulto de uma mulher de poucos afetos, mas nesse limbo emocional da vida adulta a solidão me fez companhia o tempo todo, e em alguns momentos de conforto e tranquilidade da vida, inventei amor, personagens pintados numa mulher atenciosa, bem humorada e cuidadora daquele que eh seu afeto no momento ( de certo, assim como outros, esse também passara).   Devotei a esses “afetos passageiros” como vagões de um trem envelhecido, alguns dos meus bons e escondidos talentos. Devotei-lhes minha rara beleza elaborada, meus tesouros em forma de bons perfumes, minha conversa ora culta ora poética para entrete-los (e encanta-los), dediquei-me a elaboração de momentos quase mágicos de jantares bem elaborados, bons vinhos e boa musica, e claro, seguidas de uma boa noite de… sonhos (depois da diversão, claro!). Devotei-lhes uma percola de tempo considerável de uma rotina extenuante. Mas acima de tudo isso, dei a cada um dos “vagões”  minha criatividade, minhas fantasias, minha solidão para que pudessem desata-las, e como quem recebe a chave de uma prisão pudesse libertar um condenado a solidão. Solidao daqueles que não terão uma segunda oportunidade sobre a terra. Mesmo assim, recebendo o poder de dar-me a liberdade estes não escolheram me libertar. E eis que, a solidão eh parte de mim, eh o meu vinculo comigo mesma, e por ela, seja com a criatividade infantil ou com os rebuscados conceitos aprendidos nos livros, eh com ela a SOLIDAO que dou vazão aos sentimentos que me habitam, hora de melancolia, hora de tristeza, ora de desespero ou esperança ou… de SOLIDAO, como agora.