quarta-feira, 22 de junho de 2016

Referencias








REFERENCIAS


Não sei ao certo quando tudo isso começou. Mas, em flashes posso me recordar de episódios que, de certo, contribuíram para os meus dias atuais. Eu tinha onze ou no máximo doze anos, e muito do que uma família sem recursos poderia fazer para educação dos filhos era comprar livros. Havia naquela época profissionais chamados de “livreiros”. Eram vendedores ambulantes que iam de porta em porta e ofereciam as famílias coleções de livros compostos de diversos temas, tais como: as plantas curam, medicina domestica, culinária, idiomas, literatura brasileira e estrangeira. Cerca de setenta a cem livros lotavam uma enorme caixa que era vendida em parcelas quase infindas. Pois bem, livros, não eram necessariamente uma prioridade no orçamento da nossa casa. Nem livros, nem roupas. A prioridade mesmo era comida, e as vezes, pelo menos o básico. Mas como eu era a única criança na casa. Sim, era filha única e cresci em meio adulto. Fui precoce em algumas coisas, a despeito do meu desejo. Então, como única filha e quem meus pais poderiam depositar alguma expectativa de melhoria de vida, resolveram então “investir” em sua única filha. Decidiram comprar uma coleção de livros, e, como era muito caro para os seus parcos recursos, juntaram-se a uma outra família para juntas adquirirem um “coleção de livros” daqueles livreiros. Minha mae era uma mulher pacata e não tinha nenhum talento para negociar. Dessa forma, na hora da divisão dos livros a outra compradora arrastou os títulos “mais interessantes” ao seu entendimento: as plantas curam, alguns sobre saúde, e literatura brasileira. O famoso Dom Casmurro foi junto nesta leva. Nunca o li. Sobraram os d idiomas, culinária e literatura estrangeira. Pronto, hoje me parece que essa divisão foi uma espécime de divisão entre o que eu era e o que eu viria a me tornar. Eu olhava os livros, em sua maioria sem nenhuma gravura, nada de fotos os desenhos. Eram livros volumosos, densos… e na minha pequenez não me sentia muito capaz de ler tudo aquilo. mas, o que mais que inquietava era a falta de imagens. Como poderia eu, aos onze anos ler um livro inteiro sem nenhuma figura? Bem, eu so poderia saber disso se tentasse. Uma sexta feira depois da aula, ao chegar em casa, decidi que faria minha primeira leitura, e, assim, a esmo, escolhi-a: “A Volta ao Mundo em 80 dias” de Julio Verne. Cada livro tinha no seu prólogo uma breve biografia do autor e um resumo das circunstancias históricas e sociais da época. Quase não consegui sair daquelas paginas. Nada interessante para uma garota de onze anos. Pois bem, vencido este primeiro desafio me debrucei através da aventura do inglês Fileas Fog e seu atrapalhado escudeiro “paspatour”, o “Fura-vidas”. Não sabia eu que três décadas depois eu estaria adentrando em Londres o mesmo local da aposta pela volta ao mundo em 80 dias. Foram menos de vinte e quatro horas de total arrebatamento por aquela leitura. Dali se seguiram Victor Hugo, dificílimo de ler. Heminway, Sheakspeare, Oscar Wilde, etc.. etc.. Pronto, a literatura me lançou da insignificância do rincão nordestino de eu eu estava para o mundo inteiro de descobertas. Fui crescendo e com a idade adentrando outros espaços. Com sacrifício do meu pai e do fundo para educação estudei toda minha vida escolar na mesma escola particular tradicional da minha cidade. Esta era uma escola técnica, com uma enorme biblioteca em estilo grego ao centro e agua com gás nas torneiras dos bebedouros, algo que nunca entendi. Diziam que ara para matar vermes nos nossos organismos. Não gostava na época, mas depois se tornou um habito para mim. Bem, Entre os quinze e dezesseis anos fiz muitos e novos amigos, em sua maioria rapazes que vinham de outros estados e de grandes escolas como as escolas Maristas e Liceu. Ah, vir d num Liceu era de certo uma autoridade em nosso grupo de adolescentes. Era tempo de ditadura militar e nos ouvíamos MPB e conversávamos sobre política. Abaixo a ditadura. Democracia Ja! Nos querias ocupar pelo voto direto os estamentos da política. Nos organizamos para lançar o primeiro estudante candidato a vereador da nossa cidade. Nos conversávamos sobre historia, países democráticos (não éramos comunistas), sobre eleições, sobre política, sobre geopolitica, sobre sociologia, antropologia, filosofia, sobre o universo, o cosmos, o alinhamento dos planetas, sobre o mundo, sobre a fisica,  a metafísica, ate sobre o que não sabíamos. Conversávamos sobre tudo. Buscávamos e criávamos ideais. As vezes utópicos, claro! Faz parte. Éramos “pensantes”. Estávamos todos entre quinze e vinte e cinco anos e nos sentíamos “o futuro”. Quando fizemos vestibular quase todos correram para os cursos de historia, filosofia e comunicação social… Hoje em sua maioria são professores doutores em universidades publicas. Éramos uma mistura equilibrada entre diferentes níveis sociais, intelectuais e artistas. Nos pensávamos que éramos mesmo “o futuro”, o futuro melhor do que a aquele que vivíamos. Depois do  segundo grau, técnicos ou científicos (eu sai técnico em contabilidade), fomos pulverizados no mercado de trabalho. Alguns casaram, outros mudaram-se e assim, nossa Sociedade dos Poetas Mortos aos poucos foi-se dissolvendo… E, a vida continuou, ficaram em mim o legado das canções da MPB, coisas da melhor qualidade, ficaram os discursos crédulos, os sonhos, a cultura popular, o teatro, ficaram as Musicas de Raul Seixas, Caetano Veloso, Geraldo vender, Chico Buarque, Elis Regina. Ficaram os Livros “Casa Grande e Senzala”,  “Os Sertoes” , “O Povo Brasileiro”… um legado de pensamento politico (tínhamos uma disciplina chamada OSPB-Osganizacao Social e Politica Brasileira, pasme!) e todos os hinos cívicos. Com a dissolução dos nossas utopias coletivas, e continuando a caminhada me senti sozinha e sem causa. Me senti meio sem sentido. Não havia muitos sonhos coletivos, entao, a busca pessoal começa a aparecer…Creio não ter passado dos vinte anos,  com certeza, com o estudo e agora o trabalho me sobrava pouco tempo e eu sentia falta da leitura. Comecei a buscar autores que pudessem ter um dialogo pessoal comigo, afinal, agora estava caminhando sozinha. Não recordo como escolhia meus livros, talvez pela síntese, entao, naquele instante um livro atingiu de cheio o meu peito: “Cem Anos de Solidao” de Gabriel Garcia Marques. Meus Deus! Creio que eu seja capaz de recitar capítulos inteiro daquele inquietante livro. Gabriel havia ganhado o Prêmio Nobel de literatura com ele em 1989. Mas isso pouco me importava! Naquele momento eu me sentia sozinha e o livro falava disso. Desses diversos tipos de solidão e de pessoas que se sentem sozinhas. Um marco para descoberta de minha infida solidão. Encontrei naquele livro todos os personagens que eu poderia ser qualquer um, deslocada tentando se adaptar, mas sobretudo, agora, sozinha.Tinha noites insones. Jose Arcadio Buendia, Remedios, Ursula… um infindo exercito de solitários. Cada um com sua solidão. Me descobri. Nunca mais fui a mesma. Todos os meu companheiros estavam ali naquela fantástico enredo. Eu não estava sozinha, so quando não estava lendo. Ficou difícil ler outras coisas. Ah, um dia tentei ler Dom Casmurro, tinha vergonha de dizer que ainda não havia lido Machado de Assis. Não consegui terminar. Nem Jose de Alencar. Ja estava adulta, passados os vinte e um anos e os sentimento de solidão que somente se assemelhava aos personagens de Gabriel Garcia Marques persistia… Um dia ganhei um livro novo. Um livro usado comprado em um “sebo” (adoro sebos - que são lojas de livros antigos). Era uma novela. Era Fiodor Dostoievsky. Desta vez, não foi meu peito, mas meu cérebro ficou atordoado! Noites Brancas! Nastenka e aponte de Sao Petesburgo!!! Era o encontro comigo. Eu poderia ter escrito aquele conto, com a riqueza de detalhes externos e endógenos, daquele, daquele, taciturno e solitário homem russo. Rude consigo mesmo, frio, denso, tenso e complexo. Não acreditava do que lia. Comprei um livro com sua biografia e fiquei mais chocada ainda. Chocada! Que mundo era aquele! Maior e mais complexo do que o meu! Dali por mais alguns anos Dostoievsky foi meu companheiro de alcova, de cabeceira. Com a vida adulta, e muitas outras atividades e responsabilidades que s seguiram um dia me senti soterrada. Soterrada e oprimida por muitas e muitas coisas. Muitos fatos, muitos atos… Deu branco. As aventuras literárias ja não cabiam. Não tinha mais utopias, complexidades surpreendentes, e, pior de tudo, não tinha tempo. Ter tempo para ler algumas paginas era um luxo raríssimo. Quase não lia. Somente suportava tudo. A vida e seu curso. Tudo era opressor e essa opressão durou ate ler Friederic Nietzche! Claro que Sigmund Freud e Carl Jung vieram antes, mas nenhum foi como Nietzche! Foi libertador! Não tive o peito tocado nem o cérebro balançado, agitou-se minha alma, inquietou-se meu espirito. Nunca mergulhei tao fundo em mim mesma! Me revirei do avesso. Me refiz, e nesse refazer me veio a segurança, me veio a paz. Pode ate parecer antagônico que ler Nietzche possa trazer paz a alguém! Mas o mergulhar em si mesmo tar paz… paz… e solidão. Sem discernir ao certo minha odisseia pessoal veio de mundos solitários, complexos e profundos, formando em mim mesma uma pessoa profundamente solitária. Claro que ao longo desses anos desenvolvi um personagem para o convívio social. Não sou muito boa nisso. Se nos compreendem solitários mais solitários seremos. Na maioria das vezes sou extrovertida, falastrona e estou sempre interagindo com tudo e todos… ledo engano, eu vivo, mesmo, na plenitude da minha solidão. Não que eu queira. Isso tenho por encargo não por desejo. Toda essa odisseia me deixou meio que mutilada para outros convívios. Não tenho pares para as conversas que gosto. Para as coisas que aprecio. A maioria esta em rota de vida diferente da minha. Esses dias mesmo estava conversando com um amigo que mora distante.Nos conhecemos ha cerca de cinco anos e estávamos planejando uma viagem a Portugal. Este amigo eh a pessoa com o currículo Lattes mais “recheado” que eu conheço. Tem dois cursos de Pos Doutorado no exterior, “trocentos” artigos científicos publicados em revistas cientificas internacionais, o cara eh matemático, analista de sistemas, escritor coordenador de cursos de mestrado e doutorado… Ufa! Ela e de longe o cara mais intelectual que conheço!, Mas em nossa conversa ele me disse que sou muito analítica e filosófica. Ufff…. Nem soube o que dizer na hora… fiquei so pensando que em uma cerca ocasião fiquei três horas ouvindo ele me explicar um determinado teorema matemático e sua relação com os algoritmos da mineração de dados… Ahhhhhh….. Não sou muito boa de ouvir, so se tiver uma taca de vinho tinto nas maos… Me senti confusa com aquela observação mesmo ele me explicando que por ser um homem dos números e eu das ciências humanas para ele não era fácil me entender… ahhhhh…. Explicado. Em suma, ao longo dos anos contrui um mundo tao particular como uma torre encastelada . Minhas virtudes de vida também são meus algozes para um mundo onde fala-se de quase tudo menos dos fundamentos de tudo, menos da historia de tudo. Quase ninguém traz conhecimentos anteriores. Tudo eh flash, eh fast, eh food. Tenho dioturnamente a sensação de estar no lugar errado, na época errada. Minhas referências que produziram em mim mudanças significativas de vida me trouxe o ônus do isolamento por mais esforço que eu faca… E, para finalizar cito aqui uma frase de um grande amigo meu, que num dia de outono, sob a fina chuva, os dois, eu e ele fugindo dos muros de um seminário as escondidas apenas para podermos conversar (era proibido), ele virou-se molhado de chuva e me disse : - Glacy, eu jamais quero perder a capacidade de compreender o mundo em que eu estou vivendo. Filosofamos juntos ali na chuva. Não estávamos sos.