domingo, 5 de abril de 2015
A dança em volta da fogueira
A DANCA EM VOLTA DA FOGUEIRA
Depois que Augusto partiu, fiquei sem rumo e me refugiei no longínquo e árido deserto, e, sedenta e quase sem vida fui resgatada pelas mãos generosas de um bando de ciganos, que me saciaram a sede, me alimentaram e me permitiram estar e aprender com eles. Sim, aprender. Conviver com eles foi escolher aprender. Aprender novas coisas, novos hábitos e aprender sobre novas pessoas. Embarquei com aquela caravana de gente sem rumo, vivendo um dia de cada vez. Como tudo era diferente do que eu fazia e conhecia envidei esforços em ter atenção a tudo em minha volta de forma que pudesse entender o que aquele nova forma de viver exigiria de mim. Trabalhamos muito montando e desmontando acampamentos, deslocando as caravanas, buscando um novo rumo. Carregávamos sempre conosco nossos pertences, nossa tenda, nossa casa, e nossa historia. Quase nada quiseram saber de mim. Não precisei contar minha historia, bastava segui-los. E eu os segui. Ouvi muitas historias de andanças mundo a fora. Alguns da caravana eram muito sérios, pareciam mal humorados. Outros, eram sempre brincalhões, fanfarrões, mas nunca se negavam a qualquer trabalho que fosse. Homens e mulheres estavam sempre ocupados com a ordem e a organização do acampamento. Mudei minhas roupas, sentei e comi com eles todo esse tempo. Ouvi suas historias, sorri e trabalhei com eles. No entanto em meio a todo essa rotina pelo menos uma vez por semana aquelas pessoas se reuniam para uma espécie de “ritual”: A DANCA EM VOLTA DA FOGUEIRA. Nesses dias, geralmente aos sábados, todos vestiam roupas coloridas e brilhantes de festa. Usavam adornos e expunham todos os seus instrumentos musicais. O bandolim era o meu preferido, de som agudo e profundo, aos meus ouvidos, era o que mais me encantava naquelas festas. Nesses encontros todos dançavam com todos durante toda a noite. A fogueira era sempre o centro, como se tudo girasse em torno daquela chamas, como se a vida estivesse naquela chama, como se a alma de cada uma daquelas pessoas estivesse naquelas chamas… Mesmo que aquela celebração semanal fosse algo diferente para mim que conhecia apenas pacatas diversoes, fiquei encantada com a musica, o riso e a disposição das pessoas para aquele ritual, então… me entreguei a diversão também, fazia parte do aprendizado! Numa dessas noites dancei com um cigano, de olhar profundo, de braços firmes e elegante bamboleio ao dançar. Ele parecia magico! Era sereno e discreto naquele ambiente e me fez flutuar durante quase toda noite em volta daquela fogueira. Aquela experiência nova me pareceu agradável. Os sons eram profundos e complexos, as musicas exprimiam afeto, sentimentos… exprimiam amor. Em suas letras cantavam saudades, separações, sonhos, e claro, cantavam encontros e ilusões. Era um ambiente sensual e romântico, o que me parecia ideal para que os homens e mulheres daquele acampamento se aproximassem, se interessassem e desejassem se conhecer mais, e assim, como o curso da vida, decidissem por uma mesma tenda. Mas não foi o que observei nas vezes que estive nessas celebrações em volta da fogueira. Ao que parece a chama flamejante era a da própria fogueira. A chama era externa. A chama em si mesma. Como símbolo de o que talvez devesse estar dentro dos cantantes e dançantes daquele excitante ritual. Tal foi minha observação de que aquele ritual, ao invés de encontros, consistia em celebracao da solidão de cada um daqueles que dançavam em volta da fogueira. Enquanto dançavam todos aparentavam um aspecto de concentração e felicidade, mas ao fim da musica, cada um ia embora para sua tenda, geralmente sozinhos como chegaram. Ao findar a musica e apagar a fogueira era como se também apagasse aquela chama de paixão flamejante que parecia existir no centro do acampamento. Voltavam todos para os seus afazeres e sua rotina. No dia seguinte parecia que nada tinha acontecido. Parecia que não havia nenhuma novidade na vida de cada um dos sensuais e amantes dançarinos em volta da fogueira. Enquanto dançavam pareiam que todos buscavam um mesmo sentimento e ao fim era como se nenhum deles tivesse encontrado. Ao mesmo tempo que eram corajosos e sensuais na dança em volta da fogueira, fora dali, pareciam tímidos e inseguros, temerosos, cauteloso, precavidos, e toda sorte de proteção com aquilo que a vida poderia fazer com seus sentimentos. Pareciam inseguros e desconfiados, e em nada refletia a luz de paixão que reduziam em seus semblantes quando estavam dançando em volta da fogueira. No dia-a-dia faltava chama. Faltava chama como se faltasse paixão, como se faltasse coragem, como se faltasse amor, ou como se isso tudo estivesse sufocado pela insegurança e pelo medo de ser infeliz. O cigano com quem dancei numa dessas noites, o que tinha olhar profundo, braços firmes e elegante bamboleio ao dançar, sereno e agradável, assim o foi durante a dança, me convidando para sua tenda e me apresentando um pouco mais do que era. Foi muito agradável, era como se a chama da fogueira tivesse nos acompanhado pelos dias seguintes, mas, não durou quase nada, e logo , ao me pareceu, seu medo, sua insegurança e a indiferença, a sua rotina e sei la mais o que deixou opaco reflexo da chama da fogueira na qual dançamos a sua volta… de forma que em outra ocasião cada um de nos estava dançando novamente em volta daquela fogueira. Não consegui entender ao certo, como todo aquele ritual não conseguia liberta enfim as almas e os corações dos que ali dançavam, porque as chamas daquela fogueira não lhes aqueciam a alma e por isso, repetidamente estavam ali, reproduzindo aquele ritual, externo, por talvez não ser possível realizar no interior de suas almas e de seus corações. Quisera eu poder substituir os medos da infelicidade, do sofrimento por desilusões amorosas e as inseguranças e colocar no coração e na alma de cada homem e mulher em volta daquela fogueira um pouco de chama, chama de paixão, sem medo, com entrega, com o risco de ser feliz, com a emoção de tentar dar certo, e de conseguir dar certo! Talvez nunca mais volte a dançar em volta daquela fogueira. Não gostaria de ficar dependente daquele ritual simbólico de paixão. Quero a chama ardendo dentro do meu peito, com todos os meus medos e correndo todos os riscos de ter a minha alma quente de paixão que não se apaga como aquela fogueira onde todos dançam ao seu redor e vivem seus dias sozinhos. Quero o ardor do fogo e o som do bandolim me arrebatando de felicidade e prazer num leito de uma tenda iluminada!
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